quarta-feira, março 05, 2008

Homilia V Domingo - Quaresma


Este texto de Ez é das poucas afirmações bíblicas da crença na ressurreição. Tenhamos presente que o profeta se situa, historicamente, depois do ano de 597 a. C. Neste período, o Povo Judeu fora deportado para a Babilónia; vivia-se entre eles um sentimento de dor de tal maneira profundo que pensavam que Deus os tinha abandonado para sempre. E é então que Deus lhes diz «Hei-de fixar-vos na vossa terra e reconhecerei que Eu, o Senhor, digo e faço». Esta profecia não se referia à ressurreição dos mortos na forma como entendemos nós. Mas ao regresso dos deportados à pátria. Por isso, Deus diz-lhes: «Vou abrir os vosso túmulos e deles vos farei ressuscitar, ó meu povo, para vos conduzir à terra de Israel». Isto é, antes de mais, um sinal de esperança para cada um de nós. Pois, onde quer que o Espírito do Senhor entre, a vida também entra. Isto aconteceu já no início da criação quando Deus cria o homem: depois de o ter plasmado com o pó da terra, insuflou-lhe pelas narinas o sopro da vida (ruah) e o homem tornou-se um ser vivo. A vida, portanto, não é só mera vida biológica ou vegetativa. Ela é muito mais do que isso. Ela impele-nos para uma outra realidade trans-mundana, para realidades marcadas pela transcendência.

Nesse sentido, Cristo apresenta-se como sendo a vida. Este relato do Evangelho não quer falar da ressurreição de Lázaro! Este relato, antes de tudo, fala da reanimação de Lázaro. Porque reanimação? Ele já estava morto, mas recebeu novamente este influxo de vida por meio do Espírito de Senhor. Ele voltou à vida, mas voltará a morrer. Caso se tratasse de uma ressurreição como entenderíamos a ressurreição de Jesus Cristo? Não perderia toda a sua razoabilidade? Ora, uma coisa é voltar a este mundo, retomar esta vida material marcada ainda pela morte; outra coisa é deixar definitivamente esta vida e, como aconteceu com Jesus na Páscoa, entrar no mundo de Deus, onde a morte simplesmente não tem acesso.
Ao analisarmos o texto verificamos que Jesus veio a saber por intermédio de outros que seu amigo Lázaro tinha morrido. Perante esta fatídica noticia, Jesus diz aos discípulos que Lázaro apenas está a dormir. Mais uma vez os discípulos não perceberam o que Cristo queria dizer com estas palavras: «Senhor, se dorme, estará salvo». Jesus referia-se à morte de Lázaro, mas eles entenderam que falava do sono natural.
É então que Ele vai ter com Marta e Maria, irmãs de Lázaro, a Bêtania. Ao saberem que o Senhor as tinha ido visitar contaram-lhe o que estava a suceder. Como que em tom de desabafo, Marta diz a Jesus: «Senhor, se estivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido». Jesus, como mostra o Ev emociona-se! Esta passagem mostra o quanto Jesus Cristo é verdadeiro homem. Mas mostra ainda mais que o próprio Deus se emociona. Só se emociona quem tem sentimentos, certo?! Mas este sentimento traz consigo outro sentimento ainda mais profundo: o amor. É tal o amor que Deus nutre por cada um de nós que constantemente nos reanima para a vida. O que é o sacramento da Penitencia senão isso mesmo? É, como dizias os Pe da Igreja, a segunda tábua de salvação. Cada vez que nos confessarmos estamos a limpar todo o pecado que em nós existe, mas também estamos a receber pela força da graça a nova vida que nos conduz à ressurreição.
Ele declara: «Quem acredita em mim nunca morrerá». Que significam estas palavras?

Vamos supor que no seio de uma mãe há dois gémeos que podem ver, entender, falar um com o outro durante os nove meses de gestação. Eles apenas conhecem o seu pequeno mundo e não imaginam como possa ser a vida fora deste ambiente. Não sabem que as pessoas casam, trabalham e viajam, não têm ideia de que existam animais, plantas e flores. Conhecem apenas a forma de vida que experimentam. Passados 9 meses nasce o primeiro gémeo. O que ficou ainda por um breve instante no seio materno pensa: «o meu irmão morreu, já não existe, deixou-me…» … e chora. Porém, o irmão não morreu. Simplesmente deixou uma vida limitada e breve, e entrou numa nova forma de vida.

Na perspectiva cristã, portanto, a vida neste mundo é uma gestação, e a morte é vista por quem fica, e não por quem morre (Falar em Levinas). Então podemos compreender por que motivo Jesus se alegra por não ter impedido a morte de Lázaro. Jesus vê-a na óptica de Deus: vê-a como o momento mais importante e mais feliz para o homem. Com uma expressão muito justa, os cristãos na antiguidade chamavam «dia do nascimento» (dia natalis) àqueles que partiam para junto do Pai.
É celebre a frase de Lao-Tsé : «Aquilo que para a larva é o fim do mundo, para o resto do mundo é uma borboleta». A larva não morre. Desaparece como larva, mas continua a viver como borboleta. Torna-se noutra realidade muita mais bela.


Por isso, S. Paulo na 2ª Leitura diz que nós já não apenas vivemos sob o influxo da carne, mas, sobretudo, sobre o influxo do Espírito. Apesar da nossa mutabilidade e finitude, o espírito permanece imutável, e permanece por causa da justiça. É este Espírito que recebemos no Baptismo (e Confirmação) que nos faz ser imortais, isto é, a morte fisiológica não é o fim da vida, pois a vida plena acontece apos esta morte biológica. É em virtude deste Espírito que somos agraciados com a imortalidade. É um dom de Deus: Ele quer que sejamos o máximo possível imagens de Deus.


«Eu sou a ressurreição e a vida. Quem acredita em Mim, ainda que tenha morrido, viverá; e todo aquele que vive e acredita em Mim, nunca morrerá. Acreditas nisto?» (Marta).
E vós acreditais?

domingo, março 02, 2008

A Ignorância de si mesmo como impossibilidade do relacionamento com Deus e com os outros (II)


Como já vimos anteriormente, os “Filósofos das suspeita” e o Liberalismo são a base explicativa para e dos problemas actuais. A isto acresce a ignorância que cada pessoa (ou de cada sujeito) tem de si mesma. Durante o Natal ouvimos dizer que o maior problema da humanidade é a ausência de Deus no coração do homem. Estas palavras foram proferidas pelo Cardeal Patriarca de Lisboa na “Mensagem de Natal” (2007) e que foi transmitida pela televisão. Eu pergunto: será realmente este o maior problema?! De facto, é um problema gravíssimo e que brota das bases ulteriormente mencionadas. Mas, tendo em conta a realidade nacional, será este o problema de fundo? Porquê que é que temos o hábito de falar as coisas de modo tão abstracto? Num sentido abstracto, realmente, este é um problema sério. Mas se nós, porventura, formos capazes de nos conhecermos a nós mesmos não será que encontraremos o devido espaço de Deus no nosso coração? Quanto mais nós nos conhecemos mais Deus se torna presente.
Se eu andar alienado como uma cana que vira consoante o vento, certamente sentirei a ausência de Deus. Mas se eu me conhecer e se fizer um esforço quotidiano nesse sentido, certamente sentirei muito mais a presença de Deus. No entanto, se me conhecer a mim mesmo sob a chefia da fé, então Deus estará sempre presente no meu coração. Se nós, como Igreja, queremos isto mesmo, devemos elaborar uma cuidada pedagogia de educação na fé. Atenção que eu disse na fé (e não da fé). Educa-se sempre na fé. Apesar de tudo ela é um conceito dinâmico, mas porque se trata de um conceito dinâmico ela é pura manifestação de Deus: é um dom de Deus ao homem. João Paulo II (In, Fides et ratio) afirmava que a fé e a razão são as duas «asas» do conhecimento, inseparáveis entre si. Todavia, é possível existir a razão sem a fé, mas o inverso é impossível. A explicação é simples: a fé é, e deve ser sempre, razoável, isto é, a fé em si mesma contém um substrato intelectivo. Pois estou convencido que ninguém me dirá que crê só por crer! Todo o crente afirmará que crê por esta ou por aquela razão: há um substrato racional que nada mais é do que as razões da minha crença.
Daí a importância da Autenticidade. Uma verdadeira e genuína autenticidade implica o conhecimento de nós mesmos. Só deste modo poderemos amadurecer e sermos realmente felizes. É uma felicidade que brota da perfeita relação existente entre nós e Deus, e que nos impele a ver no homem um outro ‘eu’ de mim mesmo: o outro é um alter-ego (alter = outro; ego = eu). Como dizia P. Celan, «eu sou tu quando eu sou eu». Não olhemos o outro apenas numa dimensão filantrópica, pois tal atitude seria redutora. Olhemos, portanto, o outro como um irmão, como um outro ‘eu’ como eu. E, imbuídos pelo espírito cristão de amor e filiação, iremos ver no outro um ser infinitamente amado por Deus como eu, um ser que, tal como eu, é chamado à santidade e vocacionado para a santidade e para a felicidade. Este outro é o irmão. Nós, porventura, não nos tornamos irmãos em virtude do baptismo? Quantas vezes já não ouviram o celebrante (o presidente da celebração) dizer «meus queridos irmãos e irmãs»? Pois bem, neste nosso irmão passa como luz refulgente o rosto de Cristo, o rosto do Infinito, um rosto que espelha o rosto humano e divino de Jesus Cristo. O nosso irmão é sinal e presença de Deus no meio de todos nós.