Tempo Comum (B)
Tema: o mal existe e não é invisível.
Porque é que o homem está destinado a sofrer? A resposta tradicional judaica a este enigma é a denominada “doutrina da retribuição” que Elifaz, o amigo de Job, assim sintetiza: «Qual o inocente que já pereceu? Ou quando foram exterminados os justos? Sempre vi que os que praticam a iniquidadee semeiam a maldade colhem os seus frutos». Contudo, a vida desmente de forma impiedosa este dogma da fé judaica, evidenciando a sua ingenuidade, o aspecto provocatório e a insolência em relação a quem sofre.
O mal existe, não devendo ser explicado, mas antes combatido.
I Leitura
O protagonista é Job que, inicialmente rico e feliz, é atingido de forma imprevista pela desventura: perde os filhos, os bens, a saúde; sofre devido a uma chaga maligna, “desde a ponta dos pés às pontas do cabelo”. Até a esposa é tomada pelo desgosto, e dando livre curso à sua raiva irreprimível, grita-lhe: “Persistes ainda na tua integridade? Amaldiçoa a Deus e morre de um vez!”.
A leitura de hoje contém uma célebre reflexão sobre a mutável condição da pessoa: a vida não é mais do que dor; o ser humano é um escravo, submetido a sacrifícios imensos dos quais não tira qualquer proveito. É um texto claramente existencialista.
Perante uma situação de desespero existencial e ôntico, rapidamente somos impulsionados a colocar imensas questões do foro existencial que nos fazem sentir o abandono de Deus e, de algum modo, a revolta para com Deus: “Porque é que Deus me colocou numa situação destas? Porque razão me coloca numa situação tão desesperada? Porque permite que nascemos num mundo dilacerado pela guerra, pelo ódio e pela raiva?”.
Job não é uma pessoa resignada. Não sofre em silêncio, mas manifesta a sua dor perante o Senhor e pede contas das desventuras que é obrigado a suportar. O seu grito quase que nos assusta: parece um grito de revolta, uma blasfémia. Mas não, é oração.
Diante do mal não nos é pedida a resignação. O ser humano pode e deve gritar, tem o direito de dizer a Deus que não entende por que o criou amante da vida e da alegria e depois o pôs num mundo de dor e de morte.
A oração de Job é feita de gritos e de lágrimas. Quem chora e grita a sua dor, mesmo que não dê conta, está a invocar a Deus, a pedir-lhe luz e força.
Evangelho
O Ev de hoje apresenta-nos como Deus, na pessoa de Seu Filho, encara a questão do mal e como se confronta com o mal.
Somos invadidos pelas intemporais questões: Deus pode ou não intervir na história do homem? Como pode Deus permitir as inúmeras desgraças? A objecção que muitas vezes que nós, crentes, ouvimos é: “Diz ao teu Deus que isto é impossível. Ou Ele não tem nada a ver com o mal ou então é muito mau”.
Nesta confrontação com o mal, Deus não procura nem dá explicações teológicas; não se questiona sobre o porquê das desgraças, das doenças e das dores que co-habitam no mundo. Perante os dramas do mundo é inútil culpar Deus ou as pessoas: a única coisa a fazer é pôr-se ao lado de quem sofre e lutar, com todas as forças, contra o mal.
1. «Falam com Jesus». É isto que os discípulos são convidados a fazer: antes de resolverem um
problema, antes de prepararem respostas e proporem soluções, antes de tentarem gerir situações emaranhadas, devem «falar com Jesus», dialogar com Ele.
2. Nele é possível contemplar a resposta de Deus ao problema do mal. Deus não é indiferente ao grito de dor da humanidade, porque também Ele sofre, chora, comove-se, experimenta os sentimentos de uma mãe. Ouve os lamentos e vem partilhar a nossa condição humana, feita de sofrimento e de dor. Coloca-se a nosso lado na luta contra o mal e ensina-nos a transformá-lo numa oportunidade para construir o amor (“Há males que vêm por bem”).
3. Jesus em oração. A oração não uma fuga às dificuldades da vida, não é um ingénuo pedido de milagres, mas é o encontro com aquele que nos ajuda a ver a pessoa e os seus problemas assim como Ele os vê.
4. «Todos te procuram!». Procuravam Jesus, mas pelo motivo errado: pretendiam que Ele continuasse a realizar prodígios, queriam instrumentalizá-lo para realizarem os seus sonhos de sucesso, para atingirem a popularidade e obterem as consequentes vantagens. Não queriam assumir as suas responsabilidades de realizarem a obra que só a eles dizia respeito
Conclusão:
- Job prefere falar e queixar-se, do que culpabilizar Deus. Esta é a grande diferença que há entre Job e os existencialistas agnósticos como Bayle, Ivan Karamamazov, Paul Satre, Camus, etc., que tanto respeitaram Deus que acabaram por O negar.
Também Job se acha rodeado de obscuridades e não atina com o problema de Deus e da sua justiça, mas no meio da crise mantém firme a fé. Aqui radica, precisamente, toda a tensão do Livro de Job: como harmonizar a fé num Deus justo com o problema do mal.
- Deus não se quer substituir ao homem: guia-o com a luz da Sua Palavra, acompanha-o com a Sua presença, mas quer que seja o próprio homem a agir e a combater o mal.