terça-feira, outubro 31, 2006


Sentido e valor da Velhice
O que é a velhice? Às vezes fala-se dela como do Outono da vida, seguindo a analogia sugerida pelas estações e pelo andamento das fases da natureza. Basta olhar, ao longo do ano, para a mudança da paisagem nas montanhas e nas planícies, nos prados, nos vales, nos bosques, nas árvores e nas plantas. Há uma estreita semelhança entre o biorritmo do homem e os ciclos da natureza, à qual ele pertence.
Porém, o homem, por sua vez, distingue-se de toda a realidade que o circunda, porque é pessoa. Plasmado à imagem e semelhança de Deus, ele é sujeito consciente e responsável
[1]. “O homem permanece sempre criado à «imagem de Deus»[2], e cada idade possui a sua beleza e missão. Mais, a idade avançada encontra na palavra de Deus uma grande consideração, a tal ponto que a longevidade é vista como sinal da benevolência divina”[3].
As expectativas duma longevidade vivida em condições de melhor saúde em relação ao passado, a perspectiva de poder cultivar interesses ligados a um nível mais elevado de instrução das pessoas, o facto de a velhice já não ser sempre sinónimo de dependência e de, portanto, nem sempre significar perda da qualidade de vida, não parecem ser suficientes para levar à aceitação um período da existência que muitos dos nossos contemporâneos vêem exclusivamente como dura e inevitável fatalidade.
Com efeito, está hoje muito difundida a imagem da terceira idade como fase de declínio, em que a insuficiência humana e social é dada como certa. Trata-se, porém, dum estereótipo que não corresponde à sua condição. Há uma certa categoria de pessoas que, “sendo capazes de apreender o seu significado, no arco da existência humana, não só a vivem de forma serena e digna, mas com uma fase da vida que oferece novas oportunidades de crescimento e empenhamento. E há outra categoria – que nos nossos dias é, precisamente, muito numerosa – para a qual a velhice constitui um trauma. Trata-se de pessoas que, face ao próprio envelhecimento, assumem atitudes que vão da resignação passiva, à rebelião e recusa desesperada”
[4]. São pessoas que, fechando-se em si mesmas, e colocando-se a si mesmas à margem da vida, activam o processo da sua degradação física e mental.
Nesse sentido, a velhice cresce connosco. E a qualidade da nossa velhice dependerá, sobretudo, da nossa capacidade de apreender o seu sentido e valor, quer no plano puramente humano, quer no plano da fé. É necessário, por isso, “situar a velhice num desígnio preciso de Deus, que é amor, vivendo-a como uma etapa do caminho através do qual Cristo nos conduz para a casa do Pai
[5]. Só à luz da fé, fortalecidos pela esperança que não decepciona[6], seremos efectivamente capazes de a viver como dom e como missão, de forma verdadeiramente cristã”[7].
A construção da desejada sociedade de múltiplas gerações só resultará se tiver, por fundamento, o respeito pela vida, em todas as suas fases. A presença de tantos anciãos no mundo contemporâneo é um dom, uma nova riqueza humana e espiritual.
O contributo de experiência que os anciãos que podem dar ao processo de humanização da nossa sociedade e da nossa cultura é mais do que nunca precioso e necessário, valorizando aqueles aspectos que poderemos definir como carismas da velhice, a saber:
a) A gratuidade – a cultura dominante ignora esta dimensão;
b) A memória – as gerações mais novas vão perdendo o sentido da história e, com isso, a própria identidade. Uma sociedade que ignora o passado, corre o risco de repetir mais facilmente os seus erros. A perda do sentido histórico também é imputável a um sistema de vida que afastou e isolou os anciãos, impedindo o diálogo entre gerações;
c) A experiência – hoje vivemos num mundo em que as respostas da ciência e da técnica parecem ter suplantado a utilidade d experiência de vida acumulada pelos anciões ao longo de toda a sua existência;
d) A interdependência – ninguém pode viver sozinho. Os anciãos, com a sua busca de companhia, contestam uma sociedade na qual os mais débeis são muitas vezes abandonados a si próprios, chamando a atenção para a natureza social do homem e para a necessidade de restabelecer as redes de relações interpessoais e sociais.
e) Uma visão mais completa da vida – a terceira idade é também a idade da simplicidade e da contemplação. Os valores afectivos, morais e religiosos vividos pelos anciãos são um recurso indispensável para o equilíbrio das sociedades, das famílias e das pessoas. O ancião apreende bem a superioridade do «ser» em relação ao «fazer» e ao «ter»
[8].
Deste modo, as sociedades humanas serão melhores, se souberem tirar partido dos carismas da velhice.
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[1] Cf. PAULO II, João – Carta do Papa aos Anciãos, Ed. Paulinas, Lisboa, 1999, nº 5.
[2] Cf. Gn 1, 26.
[3] PAULO II, João – Carta do Papa aos Anciãos, Ed. Paulinas, Lisboa, 1999, nº 6;
Cf. Gn 11, 10-32.
[4] Conselho Pontifício para os Leigos – A dignidade o Ancião e a sua missão na Igreja e no mundo, Ed. Paulinas, Lisboa, 1999, p. 11.
[5] Cf. Jo 14, 2.
[6] Cf. Rm 5, 5.
[7] Conselho Pontifício para os Leigos – A dignidade o Ancião e a sua missão na Igreja e no mundo, Ed. Paulinas, Lisboa, 1999, p. 12.
[8] Cf. Conselho Pontifício para os Leigos – A dignidade o Ancião e a sua missão na Igreja e no mundo, Ed. Paulinas, Lisboa, 1999, pp. 13-15.