segunda-feira, fevereiro 25, 2008

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Virgindade e Celibato


Será uma paz armada, amigos,
será toda a vida um combate;
porque a cratera da carne só se cala
quando a morte fizer calar os seus brazeiros.

Sem fogo no lar e com o sonho mudo,
sem filhos nos joelhos a quem beijar,
sentireis o gelo cercar-vos
e muitas vezes sereis beijados pela solidão.

Não deixeis o coração sem núpcias.
Deveis amar tudo, todos, todas,
como discípulos d'Aquele que amou primeiro.

Perdida para o Reino e conquistada,
será uma paz tão livre quão armada,
será o Amor amado a corpo inteiro.

CASALDÁLIGA, P., In CENCINI, A. - Virgindade e Celibato hoje. Para uma sexualidade pascal. Lisboa: Paulus, 2008.

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Reflexão dominical

II Domingo da Quaresma
(Ano A)


A transfiguração que acabamos de ouvir no Evangelho apresenta-nos, como em antecipação, a vida e a imortalidade a que somos chamados. Esta leitura começa com uma anotação aparentemente irrelevante, que não consta da leitura aqui feita: «seis dias depois». Mas depois de quê? Não é dito, mas a referência mais provável parece ser a do debate acerca da identidade de Jesus que acontecera na região de Cesareia de Filipe.
É curioso o facto de Jesus, sobretudo em S. Mateus, sempre que faz ou diz algo de importante, é utilizada a expressão «subir ao monte». Reparemos que a última tentação acontece no cimo de um monte; as bem-aventuranças são pronunciadas igualmente num cimo de um monte; é num monte que são multiplicados os pães. Porque razão Jesus tem uma predilecção especial pelos cimos dos montes? O monte, na Bíblia e em todos os Povos da Antiguidade, era o local de encontro com a divindade. Se não vejamos: quantos santuários nós não conhecemos nos cimos das montanhas? Vede aqui em Mangualde, onde está o Santuário da Nossa Senhora do Castelo? Não está num cimo do monte? Havia antigamente, desde tempos imemoriais, a ideia de que quanto mais perto tivéssemos do céu, como é o caso dos cimos dos montes, mais perto estaríamos de Deus.
O objectivo do Evangelista é claro: ele quer apresentar Jesus como o novo Moisés, como aquele que entrega ao novo povo, povo este que está representado pelos 3 discípulos, a nova lei. Ou seja, Jesus Cristo é a revelação definitiva de Deus.
Tenhamos agora em atenção às expressões aqui utilizadas. Fala-se em «rosto resplandecente e vestes brancas», fala-se ainda em «nuvem luminosa». Esta primeira imagem procura mostrar a divindade de Jesus. Uma teofania, isto é, uma manifestação de Deus, que envolve os demais com a presença de uma nuvem. A nuvem, no povo bíblico, expressava a presença de Deus no meio da humanidade. O rosto resplandecente e a nuvem são, portanto, o reflexo da presença de Deus.
Quantos discípulos foram com Jesus até ao cimo do monte? E quem eram esses discípulos? Estes personificam todos os discípulos. Eles tiveram a felicidade de serem chamados para presenciar e viver plenamente uma das maiores manifestações de Jesus (teofania). Nós somos igualmente chamados a viver esta presença de Deus na nossa vida. Não pensemos que isto é algo de abstracto! Deus anseia por Se dar a conhecer integralmente a cada um de nós. Tal como a mãe anseia pelo regresso do filho, o próprio Deus anseia por entrar no coração de homem. Todos nós somos chamados por Deus à felicidade.
Quando se dá o apogeu da teofania ouvimos uma voz que vem do céu: que voz era esta? E o que dizia ela? (este é o meu Filho muito amado»). Depois de terminada esta exortação acrescenta: «escutai-O!». A palavra «escutar» não significa apenas «ouvir», mas muitas vezes significa «obedecer». Atenção que não se trata de um obedecer reverencial, mas antes de um obedecer de cariz racional. Portanto, esta última recomendação de Deus Pai aos discípulos – Pedro, Tiago e João – não é mais do que um convite a orientar a vida pela sua proposta das bem-aventuranças.
Reparemos que S. Pedro afirma: «façamos aqui 3 tendas». Isto significa o quão agradável deve ser estar na presença de Deus. Pedro parece que, com esta afirmação, perpetuar esta alegria experimentada num momento de intimidade espiritual com o Mestre, Jesus Cristo. Mas Jesus está sempre em caminho: dirige-se a uma meta, e os discípulos devem seguí-Lo.


A nossa própria experiência espiritual pode-nos ajudar a entender que, após um longo diálogo com Deus, não é nada fácil voltar à vida de todos os dias: os problemas, os conflitos sociais e os desacordos familiares, os dramas com que nos defrontamos metem-nos medo, e, no entanto, sabemos que escutar a Palavra de Deus não é tudo. É sobretudo necessário irmos ao encontro do nosso ‘irmão’: é necessário sair para encontrar e servir os irmãos, para ajudar quem sofre, para estarmos próximos de quem precisa de amor.
Depois de termos descoberto na oração o caminho a seguir, é preciso caminhar com Jesus, que sobe a Jerusalém para dar a vida.

Opinião




«A expressão corporal do fumador parece ser indissociável da sua imagem e do prazer de fumar. Abandonar o fumo equivale, para esses casos, a uma amputação do corpo e da própria personalidade».


Emília Nadal, pintora

A Ignorância de si mesmo como impossibilidade do relacionamento com Deus e com os outros (I)


A massiva ignorância existente entre nós é um facto comum na hodiernidade. Cada vez mais as pessoas desconhecem-se de si e a si mesmas. A galopante evolução conduziu a um desmembramento do ser. Por um lado, temos a afirmação da técnica em desvalorização do ente; por outro, temos as denominadas “ditaduras do consumo” que prometem felicidades eternas e duradouras, mas que, na verdade, conduzem o homem ao vazio de si mesmo, ou seja, à gradação progressiva do esvaziamento entitativo de si mesmo.
O homem actual não se conhece. Tinha razão Kierkegaard ao ver na «angústia» o grande problema do homem. Esta «angústia existencial», nascente do existencialismo e do niilismo (ou nihilismo) de Sartre e de Nietzsche, consecutivamente, é para Kierkegaard o estado de inquietude do existente humano originado pelo pressentimento do pecado e vinculado ao seu sentimento de liberdade, que faz com que a pessoa tenha medo de si mesma, e, como tal, incapaz de olhar para o mais íntimo dela mesma. Sartre a este respeito afirma que «a angústia distingue-se do medo, porque o medo é medo dos seres do mundo, enquanto a angústia é angústia diante de mim».
Nós falamos neste ou naquele problema, mas parece que o fazemos de um modo abstracto, sem conseguir descortinar as raízes dos problemas a eles inerentes. Os problemas actuais têm razões históricas, sociais, culturais e filosóficas. Assim sendo, dois factores estão na base dos problemas hodiernos: os sistemas liberais (liberalismo e o capitalismo) e as questões/sistemas filosóficos dos sécs. XIX-XX (marxismo, niilismo e existencialismo).
Nós, porventura, não vivemos sob um regime político-social liberal? Pois bem, aqui encontra a raiz primordial do(s) problema(s). Com efeito, se sabemos onde está a raiz ou o cerne do problema, por que razão não fazemos tudo por tudo para contrariar as tendências actuais?! A razão é simples: somos ignorantes de nós mesmos. Se queremos mudar a situação actual, teremos, primeiramente, de nos conhecermos a nós mesmo, e, assim, mudar o desenrolar das tendências quotidianas. Não basta, porém, ter um conhecimento superficial de nós mesmos, mas antes fazer uma elaborada auto-análise por meio da auto-observação, onde o sujeito e o objecto se identificam, uma vez que se trata da pessoa em si mesma. Atenção que, nesta auto-análise, não devemos elaborar qualquer juízo de valor moral. Para que se execute uma boa auto-análise devemos ter os seguintes critérios: atitudes e comportamentos; ideias e sentidos; gestos e repulsas; desejos e frustrações; esperanças e receios; amores e ódios. Estes critérios levar-nos-ão ao conceito de si mesmo como auto-estima. Uma auto-estima que nada é mais do que o amor por nós próprios, definindo-se como o conjunto de sentimentos, pensamentos e acções que fazem com que cada pessoa se considere digna de ser valorizada e querida por si mesma, sem ter necessidade de recorrer ao exterior para isso mesmo. Contudo, nesta auto-análise devemos evitar atitudes narcisistas.
Urge conhecermo-nos e acabar de vez com a ignorância. E isto em termos espirituais é fundamental para se ter uma fé esclarecida e comprometida na e com a vida comunitária e eclesial. Contrariamente ao que acontece no Estado, a Igreja tem a obrigação e o dever de formar os seus “filhos”, e uma formação que deve ser permanente. Ao Estado convém-lhe haver ignorância, pois facilita a governação, uma vez que há vozes críticas. Na Igreja é o inverso: quantos mais formandos houverem melhor será a própria Igreja. A Igreja, como Mãe que é, deve providenciar o crescimento intelectual, cognitivo, humano e espiritual dos seus “filhos”. Mas atenção que este crescimento não pode ser única e puramente de ordem intelectual ou ‘cienticista’ – não se trata exclusivamente dum saber intelectual. Na verdade, este saber deve ser o da sabedoria. A sabedoria é aquela, que em si mesma, é capaz de aliar a dimensão intelectiva e a dimensão experiencial/vivencial. Quero com isto dizer que, a sabedoria é aquela que tem sabor, aquela que se pode saborear com o próprio paladar. Aliás, até a sua raiz etimológica prover de saber como sabor e saber como cognitividade. É este saber, sem dúvida, que a Igreja deve promover e apostar, apesar da disparidade unitiva existente entre a vivência da fé na vida quotidiana, para uma correcta formação dos seus “filhos”. A sabedoria deve ser para todo o homem um objectivo.


(continua...)