terça-feira, novembro 28, 2006


Um MUNDO nas mãos

quarta-feira, novembro 15, 2006

ABORTO
«Antes de te haver formado no ventre materno,
Eu já te conhecia;
antes que saísses do seio de tua mãe,
Eu te consagrei e te constituí
profeta das nações» (Jer 1, 5)
Assistimos hodiernamente a uma tendência e a um fenómeno nada animadores no que concerne à vida humana. Não sendo unicamente exclusiva do homem, a vida define o próprio homem, na sua dignidade, na sua responsabilidade, no drama da sua existência e no horizonte da sua esperança. Ela é, sem margem para dúvidas, o seu dom mais precioso. A vida é, com efeito, «uma realidade sagrada que nos é confiada para a guardarmos com sentido de responsabilidade a levarmos à perfeição, no amor, pelo dom de nós mesmos a Deus e aos irmãos» (Evangelium Vitae, 2).
Toda a nossa vida é participação divina. Na verdade, o homem é-o por ter, ou seja, a sustentabilidade ôntica da essência humana reside na e pela participação na essência divina, nesse esse trinitário. O homem é um ser pessoal existencial porque Deus lhe inflamou a vida, mediante o seu sopro (sopro da vida) tornou-o vivo. Daí que o homem tenha a vida e não seja ele próprio a vida. A vida torna-se no primeiro dom de Deus, dom absolutamente puro. Nesse sentido, o respeito pela vida ganha uma dimensão religiosa, e constitui uma mensagem gravada no coração de cada homem, tornando-se lei natural e universal. Mas quem reconhece Deus como fonte da vida, consciencializa-se que qualquer agressão contra ela magoa o coração de Deus e por isso, o respeito pela vida torna-se parte integrante do Decálogo: Não matarás (Ex 20, 13). Este dom, portanto, atinge a sua expressão máxima em Cristo Jesus: Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância (Jo 10, 10). Desta expressão máxima de Cristo ressalta um imperativo que, aludindo explicitamente, indica e comunica que «não matarás o embrião por meio do aborto, nem farás que morra o recém-nascido» (Didaké 2, 2).
Será que a defesa da vida é uma tarefa exclusiva dos cristãos? A vida humana, mesmo em gestação, é um bem de primeira ordem, cuja defesa se impõe originariamente à consciência de toda a pessoa responsável, independentemente das suas convicções éticas ou religiosas. É, pois, um sofisma e um sintoma de imaturidade moral e cívica o que se passa na actual problemática do refendo, em querer encurralar as opiniões e o sentido do voto em alinhamento com as convicções religiosas ou laicas do eleitorado. A defesa da vida é, portanto, um problema religioso, como também um problema humano que diz respeito a toda a sociedade.
Em nome da liberdade e da consciência, toda a pessoa pode, no foro privado, defender responsavelmente as ideias sobre o sentido do mundo e as opções correspondentes, sem interferência de ninguém. Outro tanto não acontece no que toca ao espaço público. Chegou-se ao extremo de certa mulher ridículo afirmar, sem pudor e ressentimento, na praça pública que tinha feito sete abortos!
Será o aborto um direito da mulher? É inquestionável que a mulher é, em certa medida, protagonista principal, embora não única, uma vez que a decisão é sua e é ela que lhe confere as consequências. Contudo, o aborto não é redutível a uma afirmação dos direitos da mulher, no direito ao que se passa no seu corpo. Desta forma, umas das primeiras manifestações da maternidade é o reconhecimento, pela mãe, da alteridade ôntica do seu filho. Por outras palavras não é mais do que reconhecer que traz no seu seio outra pessoa, em relação à qual, além dos deveres específicos de mãe, tem os mesmos deveres que qualquer indivíduo tem perante a vida de outrem. O ser que tem dentro de si é em potência toda a pessoalidade a ele inerente.
O drama do aborto é um drama antigo (basta ver Ex 21, 22). Tal como outras manifestações de violência e de desrespeito pela vida do outro, o drama do aborto coexiste com a dignidade da vida, sobretudo com a grandeza do dom de a poder comunicar. Devemos, portanto, renunciar por completo a tudo aquilo que considere o aborto como um direito da mulher-mãe.
Temos que contradizer a sociedade, pois nós pensamos, em nome do carácter sagrado da vida e da própria dignidade da mulher, que a legalização não é o caminho. Nunca se poderá construir uma sociedade justa sobre a injustiça. Por meio de uma linguagem kantiana, o nosso agir deve ser tomado como modelo para aqueles que nos rodeiam nos diversos momentos, nunca esquecendo a estrita união entre o cristão e Igreja. Antes de qualquer lei civil ou até mesmo religiosa está, como fundamento e alicerce, a lei natural. Com efeito, em momento algum podemos esquecer que a vida é o primeiro valor e fundamento da ética dada à sua primordial ligação quer à lei natural, quer sobretudo a Deus, seu criador. Pois, «a glória de Deus é que o homem viva» (Santo Ireneu).