sexta-feira, fevereiro 15, 2008

A Ignorância de si mesmo como impossibilidade do relacionamento com Deus e com os outros (I)


A massiva ignorância existente entre nós é um facto comum na hodiernidade. Cada vez mais as pessoas desconhecem-se de si e a si mesmas. A galopante evolução conduziu a um desmembramento do ser. Por um lado, temos a afirmação da técnica em desvalorização do ente; por outro, temos as denominadas “ditaduras do consumo” que prometem felicidades eternas e duradouras, mas que, na verdade, conduzem o homem ao vazio de si mesmo, ou seja, à gradação progressiva do esvaziamento entitativo de si mesmo.
O homem actual não se conhece. Tinha razão Kierkegaard ao ver na «angústia» o grande problema do homem. Esta «angústia existencial», nascente do existencialismo e do niilismo (ou nihilismo) de Sartre e de Nietzsche, consecutivamente, é para Kierkegaard o estado de inquietude do existente humano originado pelo pressentimento do pecado e vinculado ao seu sentimento de liberdade, que faz com que a pessoa tenha medo de si mesma, e, como tal, incapaz de olhar para o mais íntimo dela mesma. Sartre a este respeito afirma que «a angústia distingue-se do medo, porque o medo é medo dos seres do mundo, enquanto a angústia é angústia diante de mim».
Nós falamos neste ou naquele problema, mas parece que o fazemos de um modo abstracto, sem conseguir descortinar as raízes dos problemas a eles inerentes. Os problemas actuais têm razões históricas, sociais, culturais e filosóficas. Assim sendo, dois factores estão na base dos problemas hodiernos: os sistemas liberais (liberalismo e o capitalismo) e as questões/sistemas filosóficos dos sécs. XIX-XX (marxismo, niilismo e existencialismo).
Nós, porventura, não vivemos sob um regime político-social liberal? Pois bem, aqui encontra a raiz primordial do(s) problema(s). Com efeito, se sabemos onde está a raiz ou o cerne do problema, por que razão não fazemos tudo por tudo para contrariar as tendências actuais?! A razão é simples: somos ignorantes de nós mesmos. Se queremos mudar a situação actual, teremos, primeiramente, de nos conhecermos a nós mesmo, e, assim, mudar o desenrolar das tendências quotidianas. Não basta, porém, ter um conhecimento superficial de nós mesmos, mas antes fazer uma elaborada auto-análise por meio da auto-observação, onde o sujeito e o objecto se identificam, uma vez que se trata da pessoa em si mesma. Atenção que, nesta auto-análise, não devemos elaborar qualquer juízo de valor moral. Para que se execute uma boa auto-análise devemos ter os seguintes critérios: atitudes e comportamentos; ideias e sentidos; gestos e repulsas; desejos e frustrações; esperanças e receios; amores e ódios. Estes critérios levar-nos-ão ao conceito de si mesmo como auto-estima. Uma auto-estima que nada é mais do que o amor por nós próprios, definindo-se como o conjunto de sentimentos, pensamentos e acções que fazem com que cada pessoa se considere digna de ser valorizada e querida por si mesma, sem ter necessidade de recorrer ao exterior para isso mesmo. Contudo, nesta auto-análise devemos evitar atitudes narcisistas.
Urge conhecermo-nos e acabar de vez com a ignorância. E isto em termos espirituais é fundamental para se ter uma fé esclarecida e comprometida na e com a vida comunitária e eclesial. Contrariamente ao que acontece no Estado, a Igreja tem a obrigação e o dever de formar os seus “filhos”, e uma formação que deve ser permanente. Ao Estado convém-lhe haver ignorância, pois facilita a governação, uma vez que há vozes críticas. Na Igreja é o inverso: quantos mais formandos houverem melhor será a própria Igreja. A Igreja, como Mãe que é, deve providenciar o crescimento intelectual, cognitivo, humano e espiritual dos seus “filhos”. Mas atenção que este crescimento não pode ser única e puramente de ordem intelectual ou ‘cienticista’ – não se trata exclusivamente dum saber intelectual. Na verdade, este saber deve ser o da sabedoria. A sabedoria é aquela, que em si mesma, é capaz de aliar a dimensão intelectiva e a dimensão experiencial/vivencial. Quero com isto dizer que, a sabedoria é aquela que tem sabor, aquela que se pode saborear com o próprio paladar. Aliás, até a sua raiz etimológica prover de saber como sabor e saber como cognitividade. É este saber, sem dúvida, que a Igreja deve promover e apostar, apesar da disparidade unitiva existente entre a vivência da fé na vida quotidiana, para uma correcta formação dos seus “filhos”. A sabedoria deve ser para todo o homem um objectivo.


(continua...)

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