terça-feira, setembro 23, 2008

Somos testemunhas de quê?


Somos testemunhas de quê?
O ardor missionário de S. Paulo



A partir da proposta do Papa Bento XVI que proclamou este ano um “Ano Paulino”, para celebrar os 2000 anos do nascimento de São Paulo, torna-se conveniente abordarmos o imperativo missionário que todo o baptizado é chamado a realizar em Igreja. Em virtude do Baptismo, todo o fiel leigo é vocacionado e chamado à missão. Em Paulo todos nós encontramos um modelo missionário que foi capaz, em virtude/sob da acção do Espírito Santo, de alargar o horizonte dos destinatários do Evangelho. Quando o Evangelho chega ao mundo greco-romano, igualmente conhecido pelo povo judeu como mundo pagão ou gentios, a Igreja primitiva é abalada por uma onda de questões que giram em torno do seguimento ou não dos preceitos do judaísmo: será que a Boa Nova dirigia-se somente ao povo judeu ou será que os pagãos também seriam destinatários desta Boa Nova?
Um judeu convertido a Jesus Cristo deveria sujeitar-se à circuncisão e obedecer às normas legais do povo judaico? Ou será que um pagão convertido, que passa a pertencer de imediato ao Povo de Deus, deve obedecer às leis especificamente judaicas?
Este alargamento do horizonte missionário foi-nos desafiado pelo saudoso Papa João Paulo II, à qual chama de nova evangelização. Hodiernamente a Igreja corre o risco de reduzir o seu campo de acção pastoral e missionário e limitar o anúncio da Boa Nova, de Jesus Cristo, àqueles que continuam no seu redil. É sempre mais fácil trabalhar com aqueles que entendem a nossa linguagem, que estão sempre disponíveis para nos ouvirem e para cooperarem connosco. Mas que sentido apostólico e missionário é este? Na verdade, não é nenhum. É necessário desinstalarmo-nos: necessitamos de renovar e de alargar do nosso horizonte. Parece que os nossos cristãos têm medo ou até alguma dificuldade em anunciar Jesus Cristo a uma sociedade cada mais secularizada e indiferente. A sociedade actual, apesar de haver uma separação cronológica e histórica, contém inúmeras coincidências e traços comuns: ambas estão marcadas por uma religiosidade cada vez mais pagã do que cristã; uma superstição que conduz a fanatismos religiosos e à ausência ôntica de Deus na vida pessoal de cada um e de cada um em comunidade; estão profundamente marcadas pelo hedonismo e pelo materialismo, “reduzindo o problema de Deus ao arbítrio e à decisão humana, fiel a ritos, mas incapaz de reconhecer o Deus vivo e transcendente” (CEP, nº2, 2008). Porém, em ambas as realidades sociais existem sintomas de insatisfação, que poderão levar renovação vivificante propícia do Evangelho.
Nesse sentido, torna-se urgente alargar o anúncio do Evangelho aos descrentes e aos que abandonaram a vida cristã. Para tal é inevitável que haja evangelizadores com as características exigidas pela nova evangelização. Devem estar como que possuídos de um novo ardor, uma vez que o seu testemunho é um primeiro anúncio de natureza querigmática. Cada um de nós deve testemunhar aquilo que ama: se eu amo verdadeiramente Cristo, então o meu testemunho será expressão do rosto de Jesus Cristo; se eu não amo Cristo, então o meu testemunho é uma autêntica falácia daquilo que eu procuro apresentar como verdade – estaremos sempre dentro do campo do “acessório” e da imagem. O esquecimento do “ser” e a valorização excessiva do ter – evidente realidade da sociedade actual – conduz ao esvaziamento ôntico da vida humana, bem como a uma depreciação dos valores éticos e morais. Aliás, se repararmos com atenção, hoje poucas pessoas ou até nenhumas introduzem no seu vocabulário corrente o termo “virtude”. Parece que é preferível dizer “porreiro”, ou “espectacular” ou ainda “fixe”. É evidente a mutação filiológica com que nos deparamos. O homem de hoje dá a entender que não quer ser um ser virtuoso, de princípios e bases sólidas e estáveis. Tudo que implique mudança, compromisso e desinstalação as pessoas rejeitam. A razão é simples: estes três termos atrás mencionados obrigam as pessoas e crescerem, a saírem dos seus “cantinhos” e “mundinhos”, a sofrerem para depois colher. A palavra “sofrer” deve ser aqui entendida no sentido de que cada coisa, como por exemplo toda a caminhada que o pão faz para chegar às nossas mesas, tem o seu ritmo natural de crescimento e que implica trabalho, esforço e até bastante sofrimento para que essa coisa possa ser uma realidade. Daí que, todo o cristão não pode pensar que evangelizar é uma realidade fácil. Antes de evangelizarmos temos que nos deixar livremente ser inundados pelo Evangelho, ser absorvidos e apaixonados por Cristo Jesus. Por isso, e como atesta a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), “evangelizar não é uma estratégia e não se reduz a um programa: é uma paixão de amor por Jesus Cristo e pelos nossos irmãos e irmãs”.
Na verdade, só quem se converte real e verdadeiramente a Jesus Cristo é que pode ser evangelizador. Esta é a certeza e o imperativo máximo do processo evangelizador. É imprescindível que nós nos deixemos tocar por Cristo. Sem Ele qualquer acção é oca e vazia. A exemplo de S. Paulo, cada um de nós é chamado a deixar-se a possuir por Jesus Cristo de modo a poder cooperar activa, frutuosa e conscientemente no anúncio do Evangelho.
Fica a pergunta: somos testemunhas de quê? De mim mesmo ou de Deus?

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