sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Reflexão dominical

II Domingo da Quaresma
(Ano A)


A transfiguração que acabamos de ouvir no Evangelho apresenta-nos, como em antecipação, a vida e a imortalidade a que somos chamados. Esta leitura começa com uma anotação aparentemente irrelevante, que não consta da leitura aqui feita: «seis dias depois». Mas depois de quê? Não é dito, mas a referência mais provável parece ser a do debate acerca da identidade de Jesus que acontecera na região de Cesareia de Filipe.
É curioso o facto de Jesus, sobretudo em S. Mateus, sempre que faz ou diz algo de importante, é utilizada a expressão «subir ao monte». Reparemos que a última tentação acontece no cimo de um monte; as bem-aventuranças são pronunciadas igualmente num cimo de um monte; é num monte que são multiplicados os pães. Porque razão Jesus tem uma predilecção especial pelos cimos dos montes? O monte, na Bíblia e em todos os Povos da Antiguidade, era o local de encontro com a divindade. Se não vejamos: quantos santuários nós não conhecemos nos cimos das montanhas? Vede aqui em Mangualde, onde está o Santuário da Nossa Senhora do Castelo? Não está num cimo do monte? Havia antigamente, desde tempos imemoriais, a ideia de que quanto mais perto tivéssemos do céu, como é o caso dos cimos dos montes, mais perto estaríamos de Deus.
O objectivo do Evangelista é claro: ele quer apresentar Jesus como o novo Moisés, como aquele que entrega ao novo povo, povo este que está representado pelos 3 discípulos, a nova lei. Ou seja, Jesus Cristo é a revelação definitiva de Deus.
Tenhamos agora em atenção às expressões aqui utilizadas. Fala-se em «rosto resplandecente e vestes brancas», fala-se ainda em «nuvem luminosa». Esta primeira imagem procura mostrar a divindade de Jesus. Uma teofania, isto é, uma manifestação de Deus, que envolve os demais com a presença de uma nuvem. A nuvem, no povo bíblico, expressava a presença de Deus no meio da humanidade. O rosto resplandecente e a nuvem são, portanto, o reflexo da presença de Deus.
Quantos discípulos foram com Jesus até ao cimo do monte? E quem eram esses discípulos? Estes personificam todos os discípulos. Eles tiveram a felicidade de serem chamados para presenciar e viver plenamente uma das maiores manifestações de Jesus (teofania). Nós somos igualmente chamados a viver esta presença de Deus na nossa vida. Não pensemos que isto é algo de abstracto! Deus anseia por Se dar a conhecer integralmente a cada um de nós. Tal como a mãe anseia pelo regresso do filho, o próprio Deus anseia por entrar no coração de homem. Todos nós somos chamados por Deus à felicidade.
Quando se dá o apogeu da teofania ouvimos uma voz que vem do céu: que voz era esta? E o que dizia ela? (este é o meu Filho muito amado»). Depois de terminada esta exortação acrescenta: «escutai-O!». A palavra «escutar» não significa apenas «ouvir», mas muitas vezes significa «obedecer». Atenção que não se trata de um obedecer reverencial, mas antes de um obedecer de cariz racional. Portanto, esta última recomendação de Deus Pai aos discípulos – Pedro, Tiago e João – não é mais do que um convite a orientar a vida pela sua proposta das bem-aventuranças.
Reparemos que S. Pedro afirma: «façamos aqui 3 tendas». Isto significa o quão agradável deve ser estar na presença de Deus. Pedro parece que, com esta afirmação, perpetuar esta alegria experimentada num momento de intimidade espiritual com o Mestre, Jesus Cristo. Mas Jesus está sempre em caminho: dirige-se a uma meta, e os discípulos devem seguí-Lo.


A nossa própria experiência espiritual pode-nos ajudar a entender que, após um longo diálogo com Deus, não é nada fácil voltar à vida de todos os dias: os problemas, os conflitos sociais e os desacordos familiares, os dramas com que nos defrontamos metem-nos medo, e, no entanto, sabemos que escutar a Palavra de Deus não é tudo. É sobretudo necessário irmos ao encontro do nosso ‘irmão’: é necessário sair para encontrar e servir os irmãos, para ajudar quem sofre, para estarmos próximos de quem precisa de amor.
Depois de termos descoberto na oração o caminho a seguir, é preciso caminhar com Jesus, que sobe a Jerusalém para dar a vida.

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