sábado, abril 05, 2008

A Ignorância de si mesmo como impossibilidade do relacionamento com Deus e com os outros (III)



Não nos podemos esquecer, porém, do mais importante: Deus. Confiados à sua Graça, o homem estabelece relações com Deus. Na verdade, é sempre Deus que vem ao encontro do homem; é sempre Ele a tomar a iniciativa do encontro e do diálogo. Não tenhamos a ilusão de sermos capazes, por nós próprios, de ir ao encontro d’Ele e que, com isso, tenhamos a possibilidade possibilitante de estabelecer relações por meio das nossas capacidades cognitivas. Isto é absolutamente errado! Nunca poderemos ir ao encontro d’Ele se Ele não vier primeiramente estabelecer a base relacional e a ponte de contacto para tal. Mas não fiquemos com medo. Deus ama-nos de tal maneira que constantemente quer implantar connosco elos de ligação e espaços relacionais. É um amor incomensurável que anseia caminhar, lado a lado, com o homem rumo à santidade e à felicidade. Muito mais poderíamos dizer desta oblatividade amorosa de Deus, mas neste momento interessa-nos, apenas, dizer que a nossa relação com Deus é uma relação perfeita. Uma questão se coloca: como pode ser perfeita esta relação se eu sou, por natureza, imperfeito? Toda a nossa relação com Ele é perfeita porque Ele mesmo é Amor, tal como afirma S. João (cf. 1 Jo 4, 8). E como pelo amor se estabelece esta perfeição relacional, a nossa relação com Ele será sempre perfeita. Contudo, e respondendo novamente à questão, a imperfeição está nos modos de expressão da mesma. O modo de exprimir e a própria expressão da relação é que é sempre imperfeita. Com efeito, dada à gratuidade oblativa e filial de Deus, nós temos um sentimento de amor por Deus, pois, reconhecendo quem somos e o que somos, este amor torna-se dialógico porque Deus ama-nos tal qual como somos, mas exige de nós a fidelidade à Sua Palavra e aos Seus Mandamentos, uma perseverança em que Ele nos auxilia com os Sacramentos e uma adesão total e totalizante de nós a Ele por meio da conversão.
Dentro da alteridade, ou simplesmente das relações que estabelecemos com o outro, a questão do si mesmo é fundamental. É dentro da dinâmica existente entre a união possibilitante do “si mesmo real” e do “si mesmo ideal”, que todo homem caminha com. Ora, nós caminhamos não com um Algo, mas com um Alguém; ninguém caminha, ou por outras palavras, amadurece per se (ou por si), mas vai atingindo a maturidade por meio da relação, de uma relação que se pode revestir sob múltiplas referências relativas (relativas no sentido de relação): relação “consigo mesmo” (que é a auto-estima), com o Outro (com a divindade: Deus), com os outros, e com as coisas. Como todos sabemos, o homem é um ser relacional por natureza; é da sua própria natureza relacionar-se com tudo aquilo que o envolve. Torna-se oportuno dizer que todos os homens, sem a excepção de nenhum, estão vocacionados à e para a relação.
Portanto, só na medida em que nós somos capazes de nos amarmos e aceitarmos a nós próprios é que seremos capazes, igualmente, de amar e aceitar os outros. Daí a importância do filão ético hebraico: quanto mais eu caminho para Deus, mais eu caminho para os outros, e vice-versa. Assim sendo, a felicidade está em amar e aceitar o outro tal como ele é, pois no outro está espelhado o próprio rosto de Cristo. Como poderemos intitularmo-nos cristãos se não amamos o nosso irmão (ou, igualmente, o outro)? Não são eles, em virtude do baptismo, filhos de Deus como eu, participantes na única filiação, a filiação de Jesus Cristo? E como poderemos amar a Deus se não nos amamos a nós mesmos e ao nosso irmão? Exige para tudo isto conhecermo-nos a nós mesmos.

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